29 janeiro 2016

O cara


Desde meus 4, 5 anos de idade, sou fissurado por futebol e suas histórias. Eu adorava passar horas ouvindo contos meu avô, meus tios e vizinhos sobre tantos gênios que não tive a chance de ver ao vivo. Topava numa boa tomar um guaraná no botequim, enquanto os coroas enchiam a cara e relembravam como um Bonsucesso x Madureira de 1973 foi emocionante.

Eu via os velhos encantados ao falarem de Pelé, Garrincha, Zico, Dinamite, Gérson, Sócrates, Tostão e sentia uma certa inveja. Pensava se um dia poderia dizer "eu vi", em vez de "ouvi falar", sobre alguém deste cacife.

Enquanto isso, um camisa 11 era capa do jornal toda segunda-feira, abusando da criatividade do coitado do editor, que toda semana tinha que pensar em uma manchete nova sobre um mesmo cidadão.

Sempre o homem da partida, o rei da área, o artilheiro do campeonato. Sempre atormentando zagueiros, amedrontando rivais, admirando quem ama futebol.

Sempre Romário.

Eu via um monstro brilhar na minha TV. Ao vivo. E não tinha noção disso.

Normal, para uma criança acostumada a ouvir lendas saudosas da boca de quem havia vivido o baile de debutante da Dercy.

E hoje, mesmo 20 anos de idade, entendo o lado deles. Por mais completo que seja qualquer centroavante que surgir, meu recém-saudosismo me impedirá de vê-lo em um patamar à frente do Baixinho.

Porque qualquer chance clara perdida me fará lembrar daquele cara que vestia a camisa do meu time quando descobri o que era futebol e, anos depois, me assustava vestindo a do rival.

- Esse gol aí, o Romário de Souza Faria.

Tá, ok. Desculpa. Não irá se repetir, prometo.

Existem centroavantes completos. Existem jogadores completos. Existe Romário.

O príncipe da côrte, o homem que não precisava treinar para chegar em campo e mostrar o que sabia.

O cara que, no Barcelona da disciplina e dos bons costumes, fez dois gols e pediu pra sair no primeiro tempo, para não perder o voo e nem o Carnaval carioca.

Reza a lenda. E se tratando de Romário, acreditar faz bem.

Tudo que ouvi falar dos maestros do Canal 100, meu neto ouvirá sobre um indivíduo de 1,67 que brincava com o significado da palavra Gigante.

Aquele que é respeitado mundialmente sem precisar ter feito 80% da carreira na Europa. Aquele que atravessou o Oceano para, praticamente sozinho, nos dar uma Copa.

Há 50 anos, Papai do Céu apontou para um menino.

E depois de 1002 motivos, não contestamos sua razão.

Esse é o cara.

@_LeoLealC

07 janeiro 2016

Abduzido com consentimento


Perdemos mais um. Novamente, o craque do Brasileirão foi sugado pelo buraco negro bilionário do futebol - assumo não ter conhecimento sequer da alcunha do clube shing ling -, dando adeus à Seleção, à visibilidade e à exigência de um nível tão alto nas próprias atuações.

Confesso que já cheguei a achar um absurdo o fato do jogador, no auge de sua forma física e técnica, abandonar seu clube, ou até uma chance de despontar numa grande liga da Europa, em troca de um maior ganho financeiro. Mas aí vi a entrevista de despedida do Renato Augusto e entendi o lado do cidadão.

É claro que é ruim para o campeonato brasileiro, péssimo para o Corinthians e incômodo até para a Seleção, que perde uma opção no seu ainda indefinido meio-campo. Mas não é esse o ponto. É algo que não se resume apenas ao futebol.

São muitas coisas que passam pela cabeça do cara. Estabilidade, família, garantias e mais inúmeros fatores. E é muito fácil pra nós, do lado de cá, analisarmos baseando-se apenas no que seria melhor esportivamente pra ele.

Ele também tem um histórico de lesões, o que causa uma preocupação. E ninguém sabe o dia de amanhã.

Eu sinceramente não faço ideia sobre qual seria minha decisão ao estar na pele dele, mas sei muito bem que ver tal amontoado de grana na minha frente me balançaria.

Some os três anos de contrato e você terá apenas uma Mega-Sena acumulada. Por mais que sua vida financeira vá bem, não há como fechar os olhos para a proposta, que sim, muda a vida.

Renato Augusto é um homem rico. Agora, será multimilionário e garantirá com sobras sua independência financeira até morrer. Assim, sua decisão é, no mínimo, compreensível.

Não acho burrice porque tenho certeza que, antes de bater o martelo, ele pôs todos os fatores na balança. Portanto, sabe o que está fazendo.

Burrice seria ir pra China achando que manteria o nível e continuaria sendo chamando pra Seleção como se estivesse brilhando no Campeonato Espanhol.

Mas a partir do momento em que ele sabe das consequências e tem consciência do que está abrindo mão, torna-se uma escolha sensata. E essa, temos que respeitar.

Nós perdemos. Mas ele tem o direito de escolher o que considera melhor pra si.

Há prós e contras. E na balança do Renato, os prós venceram.

Valeu, Renato Augusto. Seu auge foi bom, e muito bom, enquanto durou. Fará falta ao Timão e ao nosso campeonato.

Boa viagem! E não se esqueça de levar feijão.

@_LeoLealC

Foto: Gazeta Press